sábado, 21 de janeiro de 2017

Da série "Bons pais à serviço da sociedade": Parte 2: Pais de menino X sociedade machista

Para ser honesta, neste momento, pipocam tantos pontos a serem contemplados na minha cabeça que eu não sei nem por onde começar. Desde já, perdoem-me a possível confusão mental e digressões, mas é que escrever sobre um tema como esse pede uma maturidade de escrita que me falta.

Desde o momento em que os pais anunciam à família que tem um bebê a caminho, surge o papo do “e o sexo?”, “é menino ou menina?”. A curiosidade é completamente compreensível, a vontade de começar a imaginar quem está por vir é, inclusive, uma parte bem deliciosa da gestação. O que, definitivamente, não é normal é querer colocar o sexo da criança como algo determinante para sua criação.

Foi a partir do quinto mês de gestação que descobri que meu filho tinha um penizinho ali. Isso não significa – alô, sociedade! - que ele tem que usar azul, que todos os brinquedos dele deverão ser “incentivadores” da virilidade masculina, que abolirei a cor rosa do enxoval, que terei de falar grosso com ele, que ele será incentivado a esconder toda sua sensibilidade, seus sentimentos, suas habilidades artísticas ou a vontade, por exemplo, de brincar com uma boneca – ou mais de uma, se ele quiser!

É preciso, primeiro, DESEXUALIZAR as crianças. Parem de ver namoro numa amizade entre crianças, parem de achar que se seu filho quer se fantasiar de fada, ele vai namorar o vizinho. A imaturidade é dos pais em lidar com essas situações dessa forma. Crianças são apenas crianças e, pelo amor de deus, devolvam a elas a ingenuidade que lhes cabe.

Sabe o que diferencia os pais de menino dos pais de menina? Ao meu ver é APENAS uma responsabilidade GIGANTESCA de educar aquele cidadão – contra o tsunami do machismo – a respeitar as mulheres. Esse respeito não é o que se intitula “cavaleirismo”. “Cavaleirismo” é uma forma antiquada de machismo disfarçado de gentileza, que apenas coloca a mulher numa posição de fragilidade/submissão diante do homem. O respeito de que eu falo é aquele em que o homem se coloca diante de uma mulher e vê uma pessoa, e não uma vagina, um útero, “beleza/feiura”, “delicadeza”, “feminilidade” etc.

Se tudo der certo e eu conseguir levar a cabo meu plano de transformar Francisco numa pessoa de bem, independentemente do gênero em que ele passe a se reconhecer, ele DEVE respeitar o outro. No nosso contexto social, entretanto, infelizmente, é preciso frisar na nossa educação básica que, muitas vezes, esse “outro” será uma mulher e que essa mulher ainda se encontra em posição desprivilegiada e que ignorar isso também é uma forma de machismo. Em outras palavras, estamos na fase de equilibrar o fiel da balança - AINDA.

Então, Francisquinho, por aqui, vai precisar entender, das coisas pequenas às mais complexas – da louça na pia, que não sabe o que é misogenia, até o direito feminino ao aborto – como as mulheres são vítimas de maus tratos, que vão dos mais sutis e arraigados na sociedade até o abuso sexual em si, o estupro.

Francisquinho, se tudo caminhar bem, não vai virar para a mamãe e gritar “cadê meu tênis?”. Ele pode chamar o papai também, ou, se idade tiver, procurar por si só seus objetos, por que não? Francisquinho vai saber que se ele precisa de uma roupa passada, ele precisa APRENDER a passar; que mulheres não nascem magicamente habilitadas às tarefas do lar, que isso foi uma construção cultural, que, se um dia fez sentido, hoje é algo risível quando imposto. Meu filho há de compreender que a “brincadeira de boneca” foi um artifício educacional para dizer assim: “mulheres é que criam filhos”. Enquanto a “brincadeira de carrinho” diz assim: “o homem proverá”.
Francisquinho vai rir disso tudo, mas um riso sério de quem debocha porque não vê a vida dessa forma; um riso de quem entende que a sociedade mudou – ou tem que mudar. Ele vai olhar para a mãe e entender bem que a gente constrói nossa figura social, nosso papel, nossos caminhos; que não há nada determinado por saias ou calças. E quando alguém utilizar aquele “argumento riquíssimo” de que “homem é assim”, ele há de levantar o dedo e dizer que ali está um caso em que não, em que essa prerrogativa não se aplica. Ele será sim o diferente.

Os pais de menino tem essa função IMPORTANTÍSSIMA de não colocar mais um imbecil na roda. De não vai bater palmas quando um tio questionar sobre a namorada da vez do filho ou chamá-lo para “caçar” mulheres. Os bons pais de menino vão explicar exatamente a seu filho que quanto mais macho ele for às vistas do tio, menos homem ele estará se tornando. Que colecionar mulheres é uma busca vazia por um autorreconhecimento no clube do machismo.

E os pais de menina?

Os pais de menina, no mundo que quero construir com meu filho, vão se sentir mais tranquilos. Vão parar de dizer às suas filhas que elas precisam casar, se arrumar para o marido, ter filhos, calar-se diante de machismos sutis do dia a dia. Porque será um mundo em que as mulheres não estarão mais submetidas do jugo do pai ao jugo do marido, que não serão passadas no altar de um ao outro, como se sua existência estivesse sempre à mercê de barras de calças. 

A mulher, no nosso mundo – né, Francisquinho? -, vai ser o que ela quiser.






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