Para ser honesta,
neste momento, pipocam tantos pontos a serem contemplados na minha
cabeça que eu não sei nem por onde começar. Desde já, perdoem-me
a possível confusão mental e digressões, mas é que escrever sobre
um tema como esse pede uma maturidade de escrita que me falta.
Desde o momento em
que os pais anunciam à família que tem um bebê a caminho, surge o
papo do “e o sexo?”, “é menino ou menina?”. A curiosidade é
completamente compreensível, a vontade de começar a imaginar quem
está por vir é, inclusive, uma parte bem deliciosa da gestação. O
que, definitivamente, não é normal é querer colocar o sexo da
criança como algo determinante para sua criação.
Foi a partir do
quinto mês de gestação que descobri que meu filho tinha um
penizinho ali. Isso não significa – alô, sociedade! - que ele tem
que usar azul, que todos os brinquedos dele deverão ser
“incentivadores” da virilidade masculina, que abolirei a cor rosa
do enxoval, que terei de falar grosso com ele, que ele será
incentivado a esconder toda sua sensibilidade, seus sentimentos, suas
habilidades artísticas ou a vontade, por exemplo, de brincar com uma
boneca – ou mais de uma, se ele quiser!
É preciso,
primeiro, DESEXUALIZAR as crianças. Parem de ver namoro numa amizade
entre crianças, parem de achar que se seu filho quer se fantasiar de
fada, ele vai namorar o vizinho. A imaturidade é dos pais em lidar
com essas situações dessa forma. Crianças são apenas crianças e,
pelo amor de deus, devolvam a elas a ingenuidade que lhes cabe.
Sabe o que
diferencia os pais de menino dos pais de menina? Ao meu ver é APENAS
uma responsabilidade GIGANTESCA de educar aquele cidadão – contra
o tsunami do machismo – a respeitar as mulheres. Esse respeito não
é o que se intitula “cavaleirismo”. “Cavaleirismo” é uma
forma antiquada de machismo disfarçado de gentileza, que apenas
coloca a mulher numa posição de fragilidade/submissão diante do
homem. O respeito de que eu falo é aquele em que o homem se coloca
diante de uma mulher e vê uma pessoa, e não uma vagina, um útero,
“beleza/feiura”, “delicadeza”, “feminilidade” etc.
Se tudo der certo e
eu conseguir levar a cabo meu plano de transformar Francisco numa
pessoa de bem, independentemente do gênero em que ele passe a se
reconhecer, ele DEVE respeitar o outro. No nosso contexto social,
entretanto, infelizmente, é preciso frisar na nossa educação
básica que, muitas vezes, esse “outro” será uma mulher e que
essa mulher ainda se encontra em posição desprivilegiada e que
ignorar isso também é uma forma de machismo. Em outras palavras,
estamos na fase de equilibrar o fiel da balança - AINDA.
Então,
Francisquinho, por aqui, vai precisar entender, das coisas pequenas
às mais complexas – da louça na pia, que não sabe o que é
misogenia, até o direito feminino ao aborto – como as mulheres são
vítimas de maus tratos, que vão dos mais sutis e arraigados na
sociedade até o abuso sexual em si, o estupro.
Francisquinho, se
tudo caminhar bem, não vai virar para a mamãe e gritar “cadê meu
tênis?”. Ele pode chamar o papai também, ou, se idade tiver,
procurar por si só seus objetos, por que não? Francisquinho vai
saber que se ele precisa de uma roupa passada, ele precisa APRENDER a
passar; que mulheres não nascem magicamente habilitadas às tarefas
do lar, que isso foi uma construção cultural, que, se um dia fez
sentido, hoje é algo risível quando imposto. Meu filho há de
compreender que a “brincadeira de boneca” foi um artifício
educacional para dizer assim: “mulheres é que criam filhos”.
Enquanto a “brincadeira de carrinho” diz assim: “o homem
proverá”.
Francisquinho vai
rir disso tudo, mas um riso sério de quem debocha porque não vê a
vida dessa forma; um riso de quem entende que a sociedade mudou –
ou tem que mudar. Ele vai olhar para a mãe e entender bem que a
gente constrói nossa figura social, nosso papel, nossos caminhos;
que não há nada determinado por saias ou calças. E quando alguém
utilizar aquele “argumento riquíssimo” de que “homem é
assim”, ele há de levantar o dedo e dizer que ali está um caso em
que não, em que essa prerrogativa não se aplica. Ele será sim o
diferente.
Os pais de menino
tem essa função IMPORTANTÍSSIMA de não colocar mais um imbecil na
roda. De não vai bater palmas quando um tio questionar sobre a
namorada da vez do filho ou chamá-lo para “caçar” mulheres. Os
bons pais de menino vão explicar exatamente a seu filho que quanto
mais macho ele for às vistas do tio, menos homem ele estará se
tornando. Que colecionar mulheres é uma busca vazia por um
autorreconhecimento no clube do machismo.
E os pais de menina?
Os pais de menina,
no mundo que quero construir com meu filho, vão se sentir mais
tranquilos. Vão parar de dizer às suas filhas que elas precisam
casar, se arrumar para o marido, ter filhos, calar-se diante de
machismos sutis do dia a dia. Porque será um mundo em que as
mulheres não estarão mais submetidas do jugo do pai ao jugo do
marido, que não serão passadas no altar de um ao outro, como se sua
existência estivesse sempre à mercê de barras de calças.
A
mulher, no nosso mundo – né, Francisquinho? -, vai ser o que ela
quiser.
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